segunda-feira, 30 de novembro de 2009

A Rainha recomenda...



Há muito tempo atrás em uma ilha do outro lado do oceano, durante a segunda grande guerra, um cara pensou: e se os nazis desembarcarem na Inglaterra? O que podemos fazer para evitar o pânico?
Então ele teve a idéia de um poster bacana que transmitisse segurança para as pessoas. Com uma frase que afastasse o pânico e uma fonte mega bacana (eu sou apaixonada por essas fontes magrinhas e sem serifa) : a coroa ("a rainha garante:" na minha louca tradução imagética) e embaixo Keep calm and carry on (algo como "fique e calmo e siga em frente").
Os nazis nunca atravessaram a mancha, os posteres foram impressos e ficaram guardados, meia dúzia só andou por ai. Foi quando um cara encontrou os posteres em um sebo. E ele virou hype, porque realmente merece. É tudo de bom.
E o melhor - a imagem é domínio público - entre e copie a vontade. Virou tudo, de botton a cadeira de praia. Mas principalmente, é poster curinga na decoração de qualquer lugar.
Como professora, novembro é um terror cotidiano e tudo que posso fazer nesta semana é manter o foco na frase do poster: keep calm and carry on.
Thanks to Miss Larrubia, que sem querer me fez ver este poster logo de manhãzinha. e agora, se minha semana não for mais feliz, ao menos vai ser mais calma para seguir em frente.
[e se alguém quiser me dar de presente, o poster 30X40 sai por 13 réis, e o frete para minha linda morada fica baratinho, Aqui. E se quiser para você, ou para presentear por aí, a versão 20X30 sai por 8,50 réis porque está em promoção - e tbm tem vermelhinho - e é o presente mais bala que se poderia dar no Natal)

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

A turba da Uniban - Contardo Calligaris

A turba da Uniban

(5/11/2009)

Folha de São Paulo
CONTARDO CALLIGARIS

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As turbas têm um ponto em comum: detestam a ideia de que a mulher tenha
desejo próprio

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NA SEMANA passada, em São Bernardo, uma estudante de primeiro ano do curso
noturno de turismo da Uniban (Universidade Bandeirante de São Paulo) foi
para a faculdade pronta para encontrar seu namorado depois das aulas: estava
de minivestido rosa, saltos altos, maquiagem -uniforme de balada.
O resultado foi que 700 alunos da Uniban saíram das salas de aula e se
aglomeraram numa turba: xingaram, tocaram, fotografaram e filmaram a moça.
Com seus celulares ligados na mão, como tochas levantadas, eles pareciam uma
ralé do século 16 querendo tocar fogo numa perigosa bruxa.
A história acabou com a jovem estudante trancada na sala de sua turma, com a
multidão pressionando, por porta e janelas, pedindo explicitamente que ela
fosse entregue para ser estuprada. Alguns colegas, funcionários e
professores conseguiram proteger a moça até a chegada da PM, que a tirou da
escola sob escolta, mas não pôde evitar que sua saída fosse acompanhada pelo
coro dos boçais escandindo: Pu-ta, pu-ta, pu-ta.
Entre esses boçais, houve aqueles que explicaram o acontecido como um justo
protesto contra a inadequação da roupa da colega. Difícil levá-los a sério,
visto que uma boa metade deles saiu das salas de aula com seu chapéu cravado
na cabeça.
Então, o que aconteceu? Para responder, demos uma volta pelos estádios de
futebol ou pelas salas de estar das famílias na hora da transmissão de um
jogo. Pois bem, nos estádios ou nas salas, todos (maiores ou menores)
vocalizam sua opinião dos jogadores e da torcida do time adversário (assim
como do árbitro, claro, sempre vendido) de duas maneiras fundamentais:
veados e filhos da puta.
Esses insultos são invariavelmente escolhidos por serem, na opinião de ambas
as torcidas, os que mais podem ferir os adversários. E o método da escolha é
simples: a gente sempre acha que o pior insulto é o que mais nos ofenderia.
Ou seja, veados e filhos da puta são os insultos que todos lançam porque são
os que ninguém quer ouvir.
Cuidado: veado, nesse caso, não significa genericamente homossexual. Tanto
assim que os ditos veados, por exemplo, são encorajados vivamente a pegar no
sexo de quem os insulta ou a ficar de quatro para que possam ser usados por
seus ofensores. Veado, nesse insulto, está mais para bichinha, mulherzinha
ou, simplesmente, mulher.
Quanto a filho da puta, é óbvio que ninguém acredita que todas as mães da
torcida adversa sejam profissionais do sexo. Puta, nesse caso (assim como no
coro da Uniban), significa mulher licenciosa, mulher que poderia (pasme!)
gostar de sexo.
Os membros das torcidas e os 700 da Uniban descobrem assim um terreno comum:
é o ódio do feminino -não das mulheres como gênero, mas do feminino, ou
seja, da ideia de que as mulheres tenham ou possam ter um desejo próprio.
O estupro é, para essas turbas, o grande remédio: punitivo e corretivo. Como
assim? Simples: uma mulher se aventura a desejar? Ela tem a impudência de
querer? Pois vamos lhe lembrar que sexo, para ela, deve permanecer um
sofrimento imposto, uma violência sofrida -nunca uma iniciativa ou um
prazer.
A violência e o desprezo aplicados coletivamente pelo grupo só servem para
esconder a insuficiência de cada um, se ele tivesse que responder ao desejo
e às expectativas de uma parceira, em vez de lhe impor uma transa forçada.
Espero que o Ministério Público persiga os membros da turba da Uniban que
incitaram ao estupro. Espero que a jovem estudante encontre um advogado que
a ajude a exigir da própria Uniban (incapaz de garantir a segurança de seus
alunos) todos os danos morais aos quais ela tem direito. E espero que, com
isso, a Uniban se interrogue com urgência sobre como agir contra a
ignorância e a vulnerabilidade aos piores efeitos grupais de 700 de seus
estudantes. Uma sugestão, só para começar: que tal uma sessão de Zorba, o
Grego, com redação obrigatória no fim?
Agora, devo umas desculpas a todas as mulheres que militam ou militaram no
feminismo. Ainda recentemente, pensei (e disse, numa entrevista) que, ao meu
ver, o feminismo tinha chegado ao fim de sua tarefa histórica. Em
particular, eu acreditava que, depois de 40 anos de luta feminista, ao menos
um objetivo tivesse sido atingido: o reconhecimento pelos homens de que as
mulheres (também) desejam. Pois é, os fatos provam que eu estava errado.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Senhor piedade, senhor piedade... para essa gente careta e covarde












Eu devia ter uns quinze anos. Não lembro bem. Lembro que estava um calor dos infernos. Sempre fui sensível ao calor. Estava usando um vestido florido. Eu sempre gostei desses vestidinhos floridos. Usava desde criança e não tinha a menor idéia que alguém pudesse me ver sem ser assim - como pouco mais que criança que eu era. Não passava pela minha cabeça que um adulto pudesse ver nos meus seios e na minha bunda algo de mulher adulta. Eu andava com aquele jeito de patinho recém saído do ovo que os adolescentes tem.

Então eu fui fazer alguma coisa, não lembro o que, no centro da cidade. O que significava ficar fora de casa meia hora. Lembro do meu vestido. De alças, no meio das coxas. Ele era castanho claro coberto de florzinhas azuis minúsculas. Para mim, faz pensar em crianças ou em cenas idílicas no Mediterrâneo, um vestidinho assim. Meu cabelo estava solto e pela época em que busco essa memória, eu devia estar usando minha pulseira de oração de Kwan Yin - a primeira delas- como único adorno. 

A lembrança começa a ficar clara com o cara de bicicleta. Eu me assustei porque ele quase me atropelou enquanto gritava alguma coisa que eu não entendi - e que depois caiu a ficha que era um comentário sobre mim. Lembro do rosto dele - ele devia ter quase cinquenta anos.

Poucos minutos depois, foram outros caras. Eles gritavam. Isso me deixou muito assustada. Não só pelo que eles diziam que fariam, mas porque eram duas horas da tarde. E ninguém parecia achar estranho que caras mais velhos que meu pai gritassem barbaridades para uma adolescente.

Lembro de desistir e dar meia volta. Lembro de estar voltando, e logo depois de atravessar a passarela (o que me deixava tecnicamente na rua da minha casa), um bando de gente, algo entre dez e quinze caras, todos bem mais velhos do que eu, começarem a ir atrás de mim.

Eu lembro que eu corri. E lembro que eles correram atrás de mim. E falavam coisas horríveis. E eu experimentei um pânico absoluto enquanto corria tentando chegar dentro da prefeitura. Porque na prefeitura tinha seguranças, mas principalmente, porque na prefeitura tinha meu pai e seus colegas de trabalho, que bateriam em quem tentasse chegar perto.

Pode parecer pouco para quem olha de fora. Mas para mim, aqueles minutos enquanto mais de dez homens adultos iam atrás de mim falando obscenidades, em plena luz do dia, na rua da minha casa, foram uma das experiências aterrorizantes da minha vida.

Lembro que depois de me enfiar pelo setor onde meu velho trabalhava a dentro sem explicações maiores, eu levei quase uma hora para ter coragem de falar sobre o que tinha acontecido. Porque eu senti vergonha. Como se a errada fosse eu.

E mesmo naquela época entendendo que não era assim, essa é a primeira vez na minha vida que coloco em palavras esse fato. Tenho vinte sete hoje e não uso vestido curto na rua desde então. Honrosas excessões quando eu estava indo para a balada, sobretudo fechado até os tornozelos, até chegar na porta, olhando por cima dos ombros, cercada de amigos. Cheguei a ir com uma roupa e trocar dentro da balada porque tinha medo, por estar sozinha.

Não consigo ficar confortável. A sensação é que de algum lugar, vai sair alguém gritando barbaridades para mim. E não importa que não sou mais adolescente, que sou adulta, que já dei bordoada em cara sem noção, que sei gritar por socorro, que sou ativista e que cresci para ser mulher com orgulho e diante de tudo. O medo ainda me impede de sair na rua usando um vestidinho florido, desses que fazem pensar em filmes italianos e crianças.

Por isso eu sei que um crime contra uma mulher é um crime contra todas as mulheres.

Porque a maioria das minhas amigas já teve que fugir de alguém que a perseguia. Ou apanhou de um namorado ou marido. Ou vive uma ditadura de medo e silêncio nas mãos de um padastro. Porque já sofri e já vi sofrerem todo tipo de discriminação por sermos mulheres.

Cansei de ser chamada de puta. Cansei de ver amigas minhas serem chamadas de puta, vagabunda, piranha, porque andamos com amigos homens e porque temos orgulho de sentirmos prazer e de sermos livres. Cansei do olhar de repúdio porque fui criada para me envolver com os homens pelo desejo e não porque dependo deles.

Além de tudo que vi na escola.

Uma aluna minha, na época. Ameaçada porque a mãe decidiu se divorciar e o padrasto queria matar a menina como vingança. Uma professora se mudando para o interior de outro estado e voltando anos depois, fugindo do marido e do cárcere privado. Mulheres que foram agredidas por pais, maridos, padrastos, filhos, vizinhos, porque "não se comportavam como uma mulher de bem". Uma aluna espancada pelo pai porque treinava com skate - queria ser skatista profissional. Uma aluna arremessada escada abaixo pelo padrasto porque mulher não pode levantar a voz para homem (ele havia dado um tapa nela porque ela estava comendo uma maçã, e ela perguntou porque ele fez isso). tudo isso sem esforço de memória - eu poderia escrever por horas.

É isso que eu via na minha mente olhando o vídeo do que fizeram com a moça.

Eu me senti agredida. Ali, não era a Geisy. Era a Sarah. A Cecilia. A Norma. A Luana. A Tathy. A Inês. A Carol. A Cíntia. A Fabiana. A Janis. A Fernanda. A Ísis. A Patrícia. A Iony. A Alex. A Estela. A Mônica. A Ana. A Cássia. A Carla. A Angélica. A Elaine. A Odília. A Joana. A Deise. A Eunice. A Mercedes. A Clarice. A Celina. A Floripes. A Maria. A Bianca. A Júlia.
Era eu.
Era cada uma das mulheres que eu amo.
Era cada uma das mulheres que eu conheço.
Era cada uma das mulheres que eu não conheço.
Era cada mulher do mundo.

Porque não era a moça que estava ali que eles viam. Era uma Mulher. Uma mulher indecorosa. Uma mulher de rosa choque. E por ser mulher é que eles se sentiam superiores, a vontade para impor sua visão de macho. Que aquelas que foram criadas para serem decorosas, pudicas e frígidas, se sentissem incomodadas por alguém que lembrava que elas não precisavam ser decorosas e infelizes.
E pior - que os outros todos achassem que era aquilo mesmo, que não havia o que fazer, e com medo da turba, não impedissem. Porque pior que a ação dos maus é o silêncio dos que acham que podem lavar as mãos.




a foto do vestido vem daqui.

texto da Ana Paula Padrão

Ana Paula Padrão
Acabo de ler, aliviada, a decisão do reitor da Universidade Bandeirante, a Uniban, que revogou comunicado do conselho da própria universidade de expulsão da aluna Geisy Arruda.
Achei que só me restasse esperar, vestida com minha burca, comprada no Afeganistão, a chegada dos Talebans tupiniquins. Ora, se estavam devidamente cacifados por uma instituição de ensino que deveria alimentar e disseminar na sociedade a tolerância, o respeito e outros valores democráticos, os jovens donos da moral certamente invadiriam em seguida o sambódromo para cobrir as Evas e acabar com aquela pouca vergonha.
De qualquer maneira, é preciso pensar sobre o que levou o conselho de uma universidade, que se supõe formado de pessoas esclarecidas e cultas, a acusar a aluna Geisy de ter tido uma “atitude provocativa, que buscou chamar a atenção para si por conta de gestos e modos de se expressar”. Se é assim, pensei comigo ao ler o texto, já em antecipação aos novos tempos: o que seria das praias brasileiras, quando os arautos dos bons costumes se alastrassem, primeiro pelas demais universidades, depois pelos prédios públicos, até chegarem aos locais de aglomeração popular, gritando às mulheres, chicote nas mãos, que se cubram em nome da ética?
Sim, em nome da ética, foi como justificou o conselho da Uniban a atitude de seus alunos, descrita pela nota oficial por eles divulgada, como uma “reação coletiva de defesa do ambiente escolar”.
Um arrepio percorreu minha espinha. Certamente seria eu cosiderada – por eles, os justiceiros da dignidade – inadequada aos padrões desejáveis. Não que eu saia por aí de vestido cor-de-rosa curto – meu implacável senso crítico me diz que já passei da idade. Mas um corpo docente que não admite conviver com uma saia alguns centímetros acima dos joelhos, o que achará então de uma mulher que utiliza seus melhores atributos – a inteligência, a capacidade de articulação, a cultura – para com isso declarar-se independente do julgamento de um homem que diga a ela com que roupa ir aonde quer que seja?
Ler a delirante nota do conselho da Uniban faz meu estômago revirar. A aluna Geisy Arruda, que cumpria com suas obrigações curriculares e pagava suas mensalidades em dia teria sido expulsa “em razão do flagrante desrespeito aos princípios éticos da dignidade acadêmica e à moralidade”. Se é isso que eles escrevem, imagino o que pensam e comentam entre si sobre uma aluna que tem todo o direito de fazer suas próprias escolhas.
Ninguém tem que achá-las bonitas, corretas, louváveis, exemplares. Mas, se já não estamos mais na idade do obscurantismo, nem em Cabul, todos temos sim, que respeitá-las. Se foi esse sentimento que motivou o reitor da Uniban a reavaliar a decisão de seu conselho, loas a ele! Mas que a história toda é assustadora pela quantidade de preconceito envolvida, não há dúvida.

Novos taliBÃS

Novos taliBÃS

Bakunin já dizia que enquanto houvesse um homem escravo, toda a humanidade seria escrava. Essa máxima vale também quanto a violência contra a mulher. Quase todas as pessoas vêem como atrasado e horrendo o comportamento dos talibãs que violentam e agridem as mulheres, escondendo-se atrás de uma moralidade religiosa questionável.
Porém o que me choca é ver a mesma atitude em uma instituição que “se diz” educacional. Ao expulsar a aluna que foi de vestido curto e sofreu um dos atos mais repugnantes de agressão dos últimos anos, alegando que a culpa pela violência foi dela, voltamos aos tempos em que as mulheres eram obrigadas a usar cintos de castidade para não serem violentadas só pelo fato de estarem andando sozinhas.
Fala-se muito em currículo oculto e em sua importância para a manutenção de hábitos e costumes. Quando tomou a atitude de expulsar a aluna, o tal instituto de ensino deixou em seu currículo oculto o ensinamento de que se uma mulher é insinuante ela deve ser agredida sexualmente, em público, como Madalena que seria apedrejada em praça pública se Cristo não tivesse intervido.
A turba de criminosos que só se manifestaram por estarem em grupo, só escancarou o machismo e a atitude covarde de homens que se sentem ameaçados em sua sexualidade, ao verem uma mulher que se destaca, seja na maneira de se vestir ou nas atitudes de vida que se coloca.
Não vou entrar no mérito se o traje era adequado ou não, mas o que importa é que qualquer cidadão brasileiro tem o direito constitucional de andar como quiser, sem ser molestado.
O que se percebe é que ao contrário do que falam por aí, o direito de igualdade entre homens e mulheres ainda está longe de ser atingido. Muitos homens ainda sentem as mulheres como uma ameaça ao seu poderio de macho.
Ainda bem que na Faculdade em que me formei, em seu currículo oculto, sempre estiveram presentes a igualdade e o respeito a diversidade, com certeza nos transformando em seres humanos melhores. O que me preocupa é saber quem serão os seres humanos que sairão formados dessa dita instituição de ensino, com letras minúsculas sim.


Cecília A. B. Camargo
Arte Educadora


(ps-e minha veterana na faculdade)

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O Vestido Cor de Rosa

Universitários que encurralaram a colega de vestido curto não eram delirantes: eram agressores
domingo, 1 de novembro de 2009, 01:59  - O Estado de São Paulo

O urro ancestral da faculdade injuriada

Universitários que encurralaram a colega de vestido curto não eram delirantes: eram agressores

Debora Diniz* - O Estado de S.Paulo

O caso não caberia nem em um folhetim vulgar, não fosse o YouTube denunciando a verdade. A "puta da faculdade" é uma história bizarra: uma mulher de 20 anos é vítima de humilhações. A razão foi um vestido rosa e curto que a fazia se sentir bonita. Sem ninguém saber muito bem como o delírio coletivo teve início, dezenas de pessoas passaram em coro a gritar "puta" e ameaçá-la de estupro. A saída foi esconder-se em uma sala, sob os urros de uma multidão enfurecida pela falta de decoro do vestido rosa. Além da escolta policial, um jaleco branco a protegeu da fúria agressiva dos colegas que não suportavam vê-la em traje tão provocante.

Colegas de faculdade, professores e policiais foram ouvidos sobre o caso. O fascínio compartilhado era o vestido rosa. Curto, insinuante, transparente foram alguns dos adjetivos utilizados pelos mais novos censores do vestuário da sociedade brasileira. "A roupa não era adequada para um ambiente escolar", foi a principal expressão da indignação moral causada pelo vestido rosa. Rapidamente um código de etiqueta sobre roupas e relações sociais dominou a análise sociológica sobre o incidente. Não se descreveu a histeria como um ato de violência, mas como uma reação causada pela surpresa do vestido naquele ambiente.

O que torna a história única é o absurdo dos fatos. Um vestido rosa curto desencadeia o delírio coletivo. E o delírio ocorreu nada menos do que em uma faculdade, o templo da razão e da sabedoria. Os delirantes não eram loucos internados em um manicômio à espera da medicação ou marujos recém-atracados em um cais após meses em alto-mar. Eram colegas de faculdade inconformados com um corpo insinuante coberto por um vestido rosa. Mas chamá-los de delirantes é encobrir a verdade. Não há loucura nesse caso, mas práticas violentas e intencionais. Esses jovens homens e mulheres são agressores. Eles não agrediram o vestido rosa, mas a mulher que o usava para ir à faculdade.

Não há justificativa moral possível para esse incidente. Ele é um caso claro de violência contra a mulher. Ao contrário do que os censores do vestuário possam alegar, não há nada de errado em usar um vestido rosa curto para ir às aulas de uma faculdade noturna. As mulheres são livres para escolher suas roupas, exibirem sua sensualidade e beleza. A adequação entre roupas e espaços é uma regra subjetiva de julgamento estético que denuncia classes e pertencimentos sociais. Não é um preceito ético sobre comportamentos ou práticas. Mas inverter a lógica da violência é a estratégia mais comum aos enredos da violência de gênero.

A multidão enfurecida não se descreve como algoz. Foi a jovem mulher insinuante quem teria provocado a reação da multidão. Nesse raciocínio enviesado, a multidão teria sido vítima da impertinência do vestido rosa. As imagens são grotescas: de um lado, uma mulher acuada foge da multidão que a persegue, e de outro, do lado de quem filma, dezenas de celulares registram a cena com a excitação de quem assiste a um espetáculo. Ninguém reage ao absurdo da perseguição ao vestido rosa. O fascínio pelo espetáculo aliena a todos que se escondem por trás das câmaras. Quem sabe a lente do celular os fez crer que não eram sujeitos ativos da violência, mas meros espectadores.

Pode causar ainda mais espanto o fato de que a multidão não tinha sexo. Homens e mulheres perseguiam o vestido rosa com fúria semelhante. Há mesmo quem conte que a confusão foi provocada por uma estudante. Mas isso não significa que a violência seja moralmente neutra quanto à desigualdade de gênero. É uma lógica machista a que alimenta sentimentos de indignação e ultraje por um vestido curto em uma mulher. A sociologia do vestuário é um recurso retórico para encobrir a real causa da violência - a opressão do corpo feminino. Não é o vestido rosa que incomoda a multidão, mas o vestido rosa em um corpo de mulher que não se submete ao puritanismo.

Não há nada que justifique o uso da violência para disciplinar as mulheres. Nem mesmo a situação hipotética de uma mulher sem roupas justificaria o caso. Mas parece que uma mulher em um vestido insinuante provoca mais fúria e indignação que a nudez. O vestido rosa seria o sinal da imoralidade feminina, ao passo que a nudez denunciaria a loucura. A verdade é que não há nem imoralidade, nem loucura. Há simplesmente uma sociedade desigual e que acredita disciplinar os corpos femininos pela violência. Nem que seja pela humilhação e pela vergonha de um vestido rosa.

*Antropóloga, professora da UnB e pesquisadora da Anis - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero

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Vestido Cor de Rosa

Esta porra deste blog não foi pensado como um lugar só de ativismo. Mas ativismo não é escolha - é obrigação moral.

O próximos posts vão falar do caso mais visível de violência contra a mulher dos últimos tempos. E já que esta visível, vamos enfiar o dedo na ferida porque eu quero ver sangue escorrer, como escorre o tempo todo sem que ninguém veja.


Eu repito o grito - Todo crime contra a mulher é um crime contra todas as mulheres.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Saias indianas e o sentir-se bem

Eu tenho um sério problema. Algo em mim considera que tudo que diz respeito a aparência deveria ter um carimbo escrito "futilidade" marcado em cima. E acho que ainda não postei muito aqui porque é uma batalha evitar isso. É um pedaço de mim que estou aprendendo, a duras penas, a amarrar, amordaçar e trancar no sotão até que se acalme. 

Resolvi ligar o foda-se e tomar vergonha na cara, by the way.

O fato é que estou usando vestido quase ininterruptamente a duas semanas.

Hoje me vi lavando uma pilha de saias e vestidos indianos (sabendo que a outra metade da pilha me aguarda) e acho um inferno lavar essas roupas pq parece que só de olhar na direção da máquina vai fazer ela rasgarem (sim, eu joguei uma saia indiana no meio de roupas normais em um ciclo completo de lavagem e ganhei uma roupa digna de Mad Max no final do processo), então lavo elas na mão.  E embora elas sejam a coisa mais prática de lavar quando você tem só a pia da pousada como lugar de lavar roupa (sim, eu sou uma pedreira com minhas roupas), encarar aquele tanque ancestral que está na área de serviço e que foi feito para a altura da minha avó (que era ainda mais baixa do que eu) é algo que eu adio infinitamente.

infinitamente = quando o calor chega e eu não tenho outra opção.

Ok. Mentalizei que hoje não precisaria fazer exercício com os pesinhos e foi em frente.

No final, foi divertido. Porque eu fiz o caos com água para todos os lados e estou pensando em tingir papel na próxima vez que for fazer isso.

Mas estou fugindo do assunto.

Como as saias talvez nao estejam secas na hora de trabalhar amanhã, resolvi pedir ajuda ao batman. Batman no caso, significa ir até a casa da minha mãe pedir algo emprestado.

Minha mãe tem as calças indianas mais legais deste lado da galáxia.

O comentário dela foi que me chamou atenção. Ela disse que ama as calças, mas tem um problema em usar elas. As pessoas reparam.

Roupas indianas são chamativas. Fato. Elas são feitas para isso. Tem cores intensas, padronagens marcantes e bordados imensos.

Olhei para minha mãe e respondi a verdade. "As pessoas vão reparar não importa o que a gente use."

Isso eu tenho aprendido nos últimos anos. Se eu estiver com uma bata branca e jeans, as pessoas reparam. Se estiver usando a indefectível & indestrutível camiseta do Wolverine as pessoas reparam. Se estiver usando saião preto e blusinhas discretas, as pessoas reparam.

Lembra do "ligar o foda-se" do começo do post?

É aqui que ele entra. Roupas precisam fazer a gente se sentir bem. Se, como nós, você trabalha com um monte de gente em volta, olhando para você, não importa o que você vista, de algum modo vai chamar atenção. Então, fique confortável, feliz e sinta-se bonita.

Eu me sinto feliz e bonita usando saias indianas. E em roupas cor de vinho. Ou em jeans e camiseta preta. Gosto de tênis all star e coturnos. E meias coloridas, com desenhos infantis ou listras de cores berrantes.

Eu aprendi que a moda raramente faz bem para a minha imagem. Meu corpo não é o corpo que os estilistas pensam quando produzem roupas. Eles pensam em alguém vinte quilos mais magra  e dez centímetros mais alta, que não teve filhos. Ao contrário dessas roupas hindús. Elas caem bem em qualquer corpo. Ou então, eu faço um "garimpo" misturando roupas atuais e uma boa saída aos brechós onde existem roupas que seriam novas se não fossem dos anos 80.

Eu aprendi que ser discreta é um conceito bem variável.

Para mim, o vestido indiano cor de vinho é discreto. E a camiseta do Wolverine. Para outras pessoas, é camisa branca e calça social. E teve época em que isso significava usar coturno, saia xadrez pregueada e blusinhas de bandas punk. E quer saber? Não devo ter vergonha disso. É bom saber que eu mudei, mas é bom saber que eu me vestia como gostava.

Tem sido bom ter coragem de vestir o que sinto vontade. Sem me aprisionar em pensar se as pessoas vão reparar ou não. Porque, na real, não importa. Me sinto bem assim. Me sinto bela. Minha tatuagem fica a mostra. Minhas pernas ficam cobertas (sou encanada com elas, um passo por vez, e essa história conto outro dia aqui). Posso sentar no chão ou em qualquer lugar. Posso trabalhar. Não morro de calor.



Tem sido um aprendizado especial esse. Aprender que posso fazer as coisas, simplesmente porque me fazem bem.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Stronger woman

Jewel - Stronger Woman
Album: Perfectly Clear/2008

Clique para ver o clip (e o clip vale a pena ser visto, viu?)


I guess you could say
I’m one of those girls
That’s always been
With one of those guys
You know the type
Like right now
He sleeps while I write

It’s better than crying
I’m warn out from trying
From loving a man
Who always makes it clear
I’m not welcome here
Just when he’s hungry
Or frisky or needs something clean
You know what I mean
But not tonight
Cause come the morning light

I’m gonna love myself
More than anyone else
Believe in me
Even if someone can’t see
The stronger woman in me

I’m gonna be my own best friend
Stick with me till the end
Won’t lose myself again
Never, no
Cause there’s a stronger woman
A stronger woman in me

The light bulbs buzz I get up
Head to my drawer
Wish there was more
I could say
Another fairy tale fades to grey

I’ve lived on hope
Like a child
Walking that mile
Faking that smile
All the while
Wishing my heart had wings
Well from now on I’m gonna be
The kind of woman I want my daughter to be,
Oooh

I’m gonna love myself
More than anyone else
Believe in me
Even if someone can’t see
A stronger woman in me
I’m gonna be my own best friend,
Stick with me till the end
Won’t lose myself again
Never, no
Cause there’s a stronger woman,
Stronger woman

This is me, packing up my bags
This is me, headed for the door
This is me, the best you ever had

I’m gonna love myself
More than anyone else
Believe in me, even if someone can’t see
The stonger woman in me

I’m gonna be my own best friend
stick with me till the end
Won’t lose myself again
No, nooo

Cause there is a stronger woman,
A stronger woman, that is
A stronger woman,
A stronger woman in me
(Stronger woman in me)