Eu cresci de um jeito um pouco diferente. Meus pais, longe de serem perfeitos, fizeram um bom trabalho me criando. Enquanto outras meninas queriam ser a próxima top model, eu queria ser Emma Goldam, Rosa Luxemburgo, Olga Benario Prestes.
Eu fui por um bom tempo uma ativista "clássica". De manifestação, reunião de partido, pé na rua distribuindo panfleto ou invadindo prédio público e fechando a rua em passeata. O tempo passou e eu fui descobrindo outras armas. Principalmente - eu descobri que viver é um ato político.
Não é que a gente não precise do ativista clássico - pelo contrário. Eu sinto falta daquilo e ainda acho que a ação direta é fundamental. Tive motivos pessoais que me afastaram disso, histórias longas que não cabem no momento, mas meu coração vibra e eu apoio incondicionalmente o ativismo clássico.
Mas não basta só o ativismo na rua. É preciso ir além.
A maneira como agimos, criamos os filhos, tratamos as pessoas, nossos bichos de estimação, as marcas para quem damos dinheiro, a maneira como agimos na internet, nossa atuação profissional, tudo é um ato político.
Não existe essa de "mas isso é só um filme" "mas isso é só um programa de rádio" "mas isso é só uma piada" ou "isso são só negócios".
Vivemos em uma teia onde nossas ações se somam a de outras pessoas de todos os tipos, e com isso nossas ações fazem sim uma enorme diferença no mundo.
Algumas coisas chamaram minha atenção essa semana. A ameaça do Marcelo Tas contra a blogueira Lola, do Escreva, Lola, escreva. O horror da polícia atacando os manifestantes da UFES que estavam fazendo um protesto pacífico, os reacionários cristãos contra o PLC 122. Os mamaços e as reações misóginas contra eles e a Marcha das Vadias.
E se somou a isso meu filho lutando consigo mesmo para não chorar hoje de manhã, sendo obrigado a ir para uma escola que não significa nada para ele e que agride e vai contra tudo em que acreditamos e da maneira libertária como ele é criado. Meu menino tem seis anos e a plena consciência de que aprende muito mais quando está em casa com a gente do que na escola.
Eu vejo tudo isso como reflexos de um mesmo problema,que eu não sei resolver, mas que também não me permite ficar paradae exige de mim alguma ação.
E o que eu faço? Eu vivo. Faço malabarismos para sustentar a casa com um salário de 20 horas de professora (e não, eu não trabalho só 20 horas por semana, mas a base de cálculo é essa) e poder ter mais tempo com o companheiro o e o filho. Encaro os preconceitos das pessoas por estar em uma relação estável não convencional. Faço o que posso como política de "contenção de danos" ao efeito nocivo da escolarização no meu menino e nos meus alunos. Eu coloco meus alunos em contato com música erudita. Eu ajo na intenret. Mando emails, compartilho links, faço doações, escrevo artigos, entro em discussões. Eu me policio para não me deixar levar pelos meus preconceitos (e sim, eu tenho preconceitos, como todo mundo tem, assuma isso ou não.). Separo o lixo reciclável. Mantenho duas árvores em um quintal urbano e planejo como tornar a casa ainda mais verde. Eu boicoto algumas marcas e não tenho carro próprio. Tive meu filho em um parto não hospitalar e amamentei até que ele tivesse três anos e meio, e acreditei no desmame natural, que deu muito certo.
E eu não escondo quem eu sou. Sou uma politeista helênica (resumindo - eu acredito nos antigos deuses gregos e tento reconstruir a religiosidade deles), sou comunista libertária, sou bissexual, sou mamífera. Sou nerd, e prefiro gastar em livros o que outras pessoas gastam com cosméticos. Acredito em arte de guerrilha e em gentileza. Não me encaixo no biotipo que as pessoas acham ideal. E eu conto para as pessoas que é possível sim ser diferente, porque todos somos diferentes.
E eu aceito que você seja diferente de mim. E eu amo as pessoas em suas infinitas diferenças. E sim, eu espero de volta a mesma aceitação. Acha que eu concordo com tudo que as pessoas no blogroll ali embaixo falam? Não, eu não concordo com tudo não. Mas são coisas que precisam ser faladas. É preciso discutir. É preciso lutar, viver, amar, chocar.
Viver é um ato político. E mesmo que as vezes seja torturante, eu acredito que vale a pena. Porque politica é bom, sim. É orgânico como é a solidariedade. É lembrar velhos adágios anarquistas que não se pode negar.
E em dias como hoje, apesar de me sentir tão pequena, tão fraca e tão inócua, eu ainda assim consigo gostar do que vejo no espelho.
4 comentários:
Cara.....não tem nem o que comentar nesse post.Eu gostaria de estar aí pra te brindar com palmas...pq esse escrito merece palmas.BRAVO!
Além do fato de ...putz...pq vc me faz chorar desse jeito! Por sua causa eu mudei alguns pontos de vista sobre as coisas....vc nem sabe,mas mudei.Vc é um exemplo de muita coisa boa,vc me fez re-acreditar em coisas q eu havia esquecido.Eu tenho muito orgulho de te considerar minha amiga (mesmo q vc me deixe falando sozinha no msn,quase sempre!).
Parabens Sarah,por vc ser quem vc é....e parabens aos seus pais por serem tão bacanas!
Sarah, posto o mesmo que no face, "Viver é um ato político" e eu digo que sim!
Concordo com o que vc diz, compartilho desse pensamento e mais, vivo tudo isso!
Me espanta ver o quanto somos parecidas!
Graças aos Deuses, meu filho teve a sorte de estar com uma professora sensível, conhecedora da escola da ponte e que inclusive me emprestou um livro, "Liberdade sem medo" que fala basicamente sobre a forma como educo meus filhos! Apesar das barbaridades e desafios que temos que enfrentar, coisas boas acontecem.
Força e serenidade!
Oi... "deixa eu secar as lágrimas-pronto".
Lindo post, te encontrei por acaso, procurando um desenho de "mulher-venusiana" pro meu blog.
Tô pasma!Contente, e realmente emocionada em conhecer -este blog e sua forma de viver e pensar (tão tão semelhante à minha).
Espero que não se importe.Vou copiar/colar este depoimento incrível, com o devido crédito e link...se não quiser, avise.
Um abraço...continue a escrever.
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