terça-feira, 22 de abril de 2014

coisas de abril

Enquanto escuto Grandola Vila Morena, fico pensando que no fim, no fundo, continuo muito parecida com a adolescente que eu fui.

Continuo gostando e criticando a cultura pop. Continuo discutindo feminismo e batendo contra o sexismo. Continuo lutando por uma arte que seja acessível. Continuo fumando para acalmar a inquietude, e sofrendo por sentir que nunca faço o suficiente. Continuo acreditando que só a Anarquia poderá nos salvar de nos destruirmos.

Continuo acreditando que a fé é uma intoxicação mística, e que nada é mais sagrado do que o que está aqui, bem diante dos nossos olhos.

Continuo tentando acreditar.

A cada dia eu penso que não dá mais. Que não aguento mais bater na ponta da faca, que o sangue que correu já foi o bastante. Que vou desistir da escola pública, do magistério. Que a violência venceu a poesia, e que nada será o bastante.

Então algo acontece. Uma criança em algum lugar nasce com a dignidade de um parto que não foi roubado. Uma menina ousa acreditar que não, ela não tem que dar satisfações a ninguém. Uma pessoa risca poesia na porta de um banheiro público. Alguém assiste um filme e foge para assistir o por do sol cair atrás da cidade. Alguém questiona o destino de uma obra de arte pública que foi arrancada.

E eu quase ouso acreditar de novo.

Talvez a violência tenha mesmo vencido a poesia. Mas talvez não.

domingo, 13 de abril de 2014

a religião do meu filho

E André está assistindo Cosmos comigo. Eu tinha planejado assistir um episódio só por semana, mas quando a pessoa diz que "esse é o melhor dia da minha vida" sobre ver o primeiro episódio, você desencana e aceita o pedido de fazer maratona e ver o que saiu até agora em um só fim de semana.
Ver ele devorar as imagens é fantástico. Ver ele virando fã do Neil de Grasse Tyson ( "ele conhece TUDO de ciência? Ele conhece muita coisa. Ele é incrível, mamãe!) é me ver virando fã do Carl Sagan uma era atrás.
Sentir ele segurando minha mão quando algo o deixava sem fôlego ou uma informação o deixava aflito. Ver ele pulando de empolgação descobrindo algo novo.
E o pedido : "quando sair em DVD, compra pra mim ?"
Porque ele já quer ver e rever centenas de vezes, até decorar.
A experiência científica é a religião do meu filho. E eu fico feliz de dividir com ele a relação de maravilhamento com o que ele considera mais sagrado.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

20 álbuns...

...que me definem

1- Physical Graffiti - Led Zepellin
2- In Utero - Nirvana
3- Rocket to Russia - Ramones
4- Paint the sky with Stars - Enya
5- Dois - Legião Urbana
6- Waiting for the sun - The Doors
7- Gracias a la vida - Tarancon
8-Tigermilk - Belle and Sebastian
9- The Queen is Dead - The Smiths
10- Sgt Peppers Lonely Hearts Club Band - The Beatles
11-The Mask and the Mirror - Loreena Mckenith
12-Soup - Blind Melon
13-Vitalogy - Peral Jam
14-Lisboa - Madredeus
15-Raices de America - Raices de America
16-One Bourbon, one Scotch, one Beer - John Lee Hooker
17-Lost Horizons - Abney Park
18-Coat of Arms - Sabaton
19-Acoustic Sessions - The Ghost of a Saber Tooth Tiger
20- The Flying Club Cup - Beirut

terça-feira, 1 de outubro de 2013

do maternar

A vida é curta e a infãncia mais ainda.

Por isso eu ainda ajudo meu filho a se vestir, mesmo sabendo que ele dá conta sozinho. Por isso gosto de pentear o cabelo dele, de ouvir sua voz contando algo pela centésima vez, ver seu dedo batendo no lábio enquanto pensa em uma resposta pra alguma coisa. Gosto de sentar com ele, abraçar ele, dormir com ele pendurado em mim. E não peço que ele seja independente. Não peço que ele faça as coisas sem ajuda.

Porque o amanhã já está ai. E quando ele bater asas eu não vou ficar com o coração apertado pensando nos abraços que não dei ou nas vezes que fiz ele amarrar o próprio cadarço quando me pedir ajuda era acima de tudo uma vontade de carinho, de ser cuidado.

Por isso eu amarro o cadarço dos meus alunos. Porque quando eles te pedem "me ajuda" eles querem ser cuidados, e como é bom ser cuidado... o cobertor aquece mais quando alguém coloca ele por cima de você e aperta nos seus ombros.

E o tempo do choro é tão curto. O tempo do cuidado imediato, do cansaço por precisar estar sempre presente, é um tempo tão curto. O tempo dos medos é bem maior. Quando se ganha o mundo.

Poucos dias atrás, ele atravessou a rua sozinho pela primeira vez, e eu senti meu coração morrer de pavor. Fiquei orgulhosa e contente depois, mas continuo agarrando forte sua mão.

É bom andar de mãos dadas. Não é só uma questão de utilidade - é uma demonstração de amor.
 
 

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Divagações sobre a lua e vênus no céu

about - http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2013/09/fenomeno-astronomico-permite-ver-planeta-venus-proximo-da-lua.html


Quando eu era adolescente, ganhei um anel de lua e estrela. Eu decidi que seria então a "menina do anel de lua e estrela" como na música. Depois, meu avô me mandou escolher um presente, em uma vitrine de jóias de prata. Perguntei se ele tinha certeza - ele disse que tinha, e eu escolhi O ANEL de lua e estrela, que eu usava o tempo todo.

Acho que foi assim que eu virei Filhote de Lua. De algum jeito maluco, folheando um dicionário de xavante, enquanto tentava descobrir qual seria aquele que pra mim significava meu "nome de adulta" - meu nickname. Era 1997, e eu já tinha entendido que minha vida só faria sentido tendo os dois pés plantados na realidade que estava do outro lado do computador.

Eu ainda não tinha lido Neuromancer. Mas já tinha esse craving louco pela Matriz.

Então, a menina do anel de lua e estrela virou Filhote de Lua. Um nome que para ser sincera eu reconheço mais como meu do que o Sarah Helena que eu adotei para conviver numa sociedade onde a ideia de escolher o próprio nome ainda é negada.

Já faz tempo que não sou mais menina e o anel está lá no altar dos ancestrais sem ser usado. Acho que isso é parte do que me afoga: a ausência de uma identidade em que eu me encontre. Não que eu não me afogasse então. Mas essa sensação de ter vendido minha alma ainda não se fazia presente.

 Me faltou a habilidade cartesiana para ser uma tecnauta pré histórica com as possibilidades atuais, embora eu enxergue a lógica que move a realidade por trás do desenho da tela e sinta falta do tempo em que eu podia resolver tudo com uma linha de comando e não com cliques.

Me faltou a habilidade para ser qualquer coisa mais do que uma criatura sempre à margem. Mas havia uma lua, uma estrela. Uma marca de nascença que me coloca entre aqueles que nunca vão encontrar seu lugar.

Quando eu li Neuromancer, me apressei em conseguir um shuriken. Uma estrela indicando o caminho. Mas perdi o shuriken em uma mudança e por algum motivo ele continua ausente quando deveria estar pendurado na parede.

Não importa o que aconteça, eu sempre retorno para a lua e a estrela.

Nasci na noite antes da lua estar totalmente cheia. Como se ela me desejasse sempre ansiando por uma completude. 

Vênus eu ainda não entendi o que quer comigo. Talvez um dia desses eu ache o shuriken e entenda a estrela que acompanha essa lua.

talvez assim eu descubra para que eu sirvo além da ansiedade.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Amamentar - o que deveria ser natural e as histórias que ficam no meio do caminho

Sempre repito e insisto: amamentar nunca foi uma opção aqui. Foi uma certeza. Desde o princípio, foi feito claro: não haveria chupetas nem mamadeiras. Não importava o que aconteceria. Porque meu instinto me dizia que esse era o único caminho certo.

E não, não foi fácil. Foi doloroso as vezes. Foi assustador, foi gritar TRUCO LADRÃO! na cara da vida.

E foi sublime como um milagre. Porque meus seios jorravam leite. Porque meu filho podia tirar de mim seu sustento. Porque minha gata amamentava, uma foca no Ártico amamentava e eu amamentava - e de repente eu era uma irmã delas.

Quando meu filho tinha poucos dias de vida, ele estava com a pele ressecada e usamos um hidratante para bebês nele. O hidratante era a base de leite de vaca.

Demoramos oito meses para concluir que foi isso que o sensibilizou para uma forte alergia a leite de vaca. Mas durante quase seis meses, não sabíamos o que era que estava devastando o corpo do meu filho de dentro pra fora. Não sabia o que era essa alergia. Só via a curva de ganho de peso que ia do amarelo para o vermelho enquanto meu pequeno chegava ao segundo grau de desnutrição.

O que salvou meu guerreiro zen de ter sequelas desse processo foi o fato de eu ser radical com a amamentação. Foi o fato de ele ser amamentado exclusivamente - como deve ser.

Mas o que eu mais ouvia das pessoas do nosso convívio era, sempre, que a culpa era minha. Que eu não tinha leite o bastante, que meu filho estava com fome, que meu leite era fraco, que minha teimosia ia matar meu filho, que eu devia dar leite em pó para ele porque ele rapidinho engordava. A pediatra que gritou comigo deu até a marca da fórmula que exigia que eu desse para ele, sem ter feito NENHUM exame ou observação exceto que ele estava abaixo do peso devido.

Eu nunca vou esquecer de como a pediatra do posto de saúde gritou comigo. Ela tinha raiva de mim. Raiva porque eu amamentava exclusivamente, raiva porque ele tinha nascido em um parto não-hospitalar. Ela gritava. Eu estava ali, com 40 graus de febre e fragilizada ao extremo, com um bebê de um mês de idade, e ela gritava comigo, me apontava o dedo, me chamava de mãezinha e dizia que meu filho estava morrendo de fome por culpa minha.

Eu sai de lá e chorei. Chorei de raiva, uma raiva visceral e imensa de quem sabia que tinha sofrido uma violência e não tinha como se defender.

Quando me questionam sobre porque eu sou tão radical como defensora da amamentação, eu tenho uma resposta simples e verdadeira: a amamentação salvou a vida do meu filho.

Mas também tem uma resposta tão verdadeira quanto e nem um pouco simples.

Que começa nos gritos dessa pediatra, passa pela minha tia e a minha avó tentando me forçar a consumir leite porque não acreditavam na alergia (sim, do tipo preparar toda a comida de uma festa com derivados de leite e te forçar a ficar o dia inteiro em jejum porque ninguém da família teve a sensibilidade de te dar uma carona de volta pra casa e não havia como voltar a pé), por todas as pessoas que falaram horrores para mim e de mim, dizendo que a culpa era minha, que meu leite não era bom, que eu ia matar meu filho;

pelas pediatras que se recusaram a assinar o pedido de um mês de licença saúde quando minha licença maternidade acabou, mesmo eu tendo um laudo dizendo que meu filho precisava ser amamentado em livre demanda, e que me fizeram voltar uma dezena de vezes ao maldito posto de saúde, onde enfermeiras gritaram comigo porque eu amamentava em público, gritavam comigo porque meu filho estava no sling, e junto com as pediatras me ridicularizavam e chamavam de vagabunda e preguiçosa que não queria voltar a trabalhar;

e termina em tudo que eu ouvi e em todos os olhares de horror porque um menino de mais de três anos ainda mamava.


Eu perdi a conta do número de vezes que abracei meu bebê e chorei, enquanto pessoas que estavam em situação de poder, pessoas com uma autoridade presumida, como médicas (e eu reforço médicAs, porque é mais triste que o machismo venha de outras mulheres), me humilharam, agrediram e maltrataram.

Em quantas vezes as pessoas se sentiam a vontade para invadir nossa privacidade e dar palpites na nossa vida com ideias pré concebidas e preconceituosas.

E nenhuma mulher (e nenhum homem trans* que queira amamentar) deve passar pelas coisas que passei. Ninguém deve passar por aquilo.

E é por isso que ainda precisamos do feminismo. Que ainda precisamos ser ativistas da amamentação, da humanização, do attachment parenting, do amor e do afeto.

Preciso gritar na cara dos opressores sobre como amamentação é bom e importante e certo, para que ninguém se sinta tão só e tão assustada como eu me senti quando aquela pediatra gritou comigo.

Preciso insistir em contar nossa história, de como a amamentação salvou o meu filho, para que nunca mais uma criança sofra sequelas da irresponsabilidade de médicos que forçam mulheres a acreditarem que precisam de fórmulas infantis.

Preciso dar toda ajuda que eu puder para cada mulher em pânico que cruza meu caminho, para cada pessoa que precisa de um conforto e as vezes, só é preciso uma palavra amiga, uma demonstração de apoio, um cinema ou uns esmaltes coloridos, para salvar uma amamentação.



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Quando eu tinha dois anos e meio, o médico da minha mãe descobriu que ela ainda me amamentava e forçou que ela parasse abruptamente com aquilo. Minha mãe, com vinte anos de idade, quase trinta anos atrás, obedeceu. Eu chorava de um lado da casa, ela do outro. Desnecessário dizer o quanto saimos as duas machucadas e traumatizadas disso.

Em algum momento entre três anos e oito meses e quatro anos, meu filho parou de mamar por conta própria, em um processo natural que foi tão gradual que não sei quando foi exatamente. Sem traumas, sem choro,respeitando nosso tempo.

E esse desmame natural curou aquele outro, de quase trinta anos atrás. Porque quando a gente evita que uma ferida se repita, a gente cura uma linhagem.

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Este post é parte da 2ª Blogagem coletiva: Por que sou ativista da amamentação?  

E você encontra aqui a lista cheia de gente que escreveu muito melhor que eu sobre o assunto.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Das serras e do ar

(durante o II Fórum "O ensino da arte nas séries iniciais", em Serra Negra, SP)

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Dá para morrer de azul quando o céu está mais baixo que nós. O pássaro maior voa em círculos e os pequenos dançam alças de moébius desenhando no asfalto. As vezes, o som de um motor.

Existe uma cumplicidade no silêncio que só os que escutam enxergam.


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Ela tenta encontrar uma palavra para aquele tom de verde e tateia a realidade de que é uma mentira acreditar que todas as coisas podem ser nomeadas.

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O muro foi caiado e a água o lavou. Outro pássaro voa. Como uma semínima, talvez.

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Quando é noite, pintam amarelas lanternas distantes marcando um caminho que some atrás do escuro. E então a cidade se faz como plâncton, bioluminescente.

Na luz, tudo desaparece. No dia, só duas manchas de cal e telha enquanto as nuvens refletem o chão. Uma árvore cresce, inclinada mas não vemos vento algum.

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No ar parado, ele desenha e ela tenta achar em palavras o desenho que não consegue fazer.

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Ela pensa nas montanhas do país da infância, que mora no Tempo do Sonho, aquele que nunca viu. Não há carvalhos aqui e se vê uma pequena estrangeira tentando nomear quais seriam nestas árvores, as sagradas.

E deseja aprender com o que sonham as montanhas.

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Ela aprendeu a amar um homem com a beleza das serras que o fizeram brotar. As vezes, dá para vislumbrar os gigantes dormindo debaixo de cobertores de verde, e azul, e gris, e esta terra costura uma distância que leva para a casa onde seu homem nasceu, bordando retalhos de inomináveis tons vegetais.

Quando o vê dormir, suspeita que seu homem nasceu da terra, ele mesmo uma serra dormindo em azul e gris.

e então a mulher acredita que sentir falta seja um nome de montanha
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